Preconceito religioso lança fake news sobre índios isolados


O coordenador-geral de Índios Isolados e de Recente Contato da Fundação Nacional do Índio (Funai), Ricardo Lopes Dias, é mais um integrante do governo Bolsonaro a sofrer preconceito religioso por parte da grande mídia nacional. Pastor e missionário, ex-integrante da Missão Novas Tribos do Brasil, Ricardo assumiu desde o início do ano o comando do órgão da Funai responsável pelo cuidado dos povos isolados. 


Muita gente achava que a indicação era porta aberta para uma mudança de 360 graus na política do governo brasileiro em relação aos povos indígenas, principalmente aos índios isolados,por conta de seu histórico missionário. Após muita pressão internacional, a Justiça Federal suspendeu a nomeação de Dias, no dia 21 de maio, a pedido do Ministério Público Federal, mas no dia 9 de junho o STJ revogou a decisão, liberando a nomeação de Dias.


O que muitos que acusam Dias de agir em favor de organizações missionárias esquecem de afirmar é que Dias é doutor em Ciências Humanas e Sociais pela Universidade Federal do ABC (UFABC), mestre em Ciências Sociais (Antropologia) pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e bacharel em Antropologia pela Universidade Federal do Amazonas (Ufam). Ele também é bacharel em Teologia pela Faculdade Teológica Sul Americana (FTSA) e fez pós-graduação em Antropologia Intercultural pela UniEvangélica. 


Nove meses após a sua nomeação, o que se viu foi o fortalecimento das ações da Funai em relação à proteção dos povos isolados, numa gestão de diálogo com os diversos atores envolvidos na questão indígena. Abaixo, republico uma entrevista publicada no site da Funai, no último mês de julho, em que Dias fala do cuidado e da proteção a esses povos e também do preconceito que sofre por ser cristão e ex-missionário: 


Quais são, atualmente, as principais necessidades dos povos isolados?


Basicamente, os povos indígenas em isolamento voluntário precisam de seus espaços, preservando assim o modo de vida tradicional em ambiente habitado mitológica e historicamente. A CGIIRC pretende manter-se em seu foco de "promover a implementação de políticas, programas e ações de proteção territorial e a promoção e proteção dos direitos dos povos indígenas isolados e de recente contato", conforme regimento interno (Art. 198 a 205 do Anexo I da Portaria nº 666/PRES, de 17 de Julho de 2017), contribuindo, neste sentido, com a atribuição da Funai de "garantia aos povos indígenas isolados do exercício de sua liberdade e de suas atividades tradicionais sem a obrigatoriedade de contatá-los" (Estatuto da Funai - DECRETO nº 9.010, de 23 de Março de 2017).


Como o senhor avalia a política de não contato aos povos isolados?


À Funai compete a "garantia aos povos indígenas isolados do exercício de sua liberdade e de suas atividades tradicionais sem a obrigatoriedade de contatá-los" (Estatuto da Funai - DECRETO nº 9.010, de 23 de Março de 2017). Esta política da "não obrigatoriedade do contato" tratou-se de uma mudança paradigmática na abordagem do índio pelo Estado. Vejo-a como acertada porque possibilita ao índio a sua autodeterminação, a sua autonomia no que se refere ao contato, ou não, com as sociedades nacional e internacional. A CGIIRC não pretende mudar essa perspectiva, mas temos muito a aprimorar os nossos mecanismos de monitoramento e localização, por exemplo. Há 114 registros de povos isolados em nosso conhecimento, sendo 28 reconhecidos como confirmados, 26 registros em estudo e a grande maioria, 60, apenas em nível de informação. Muitos são os desafios para que consigamos desenvolver as etapas de investigação dessas informações. Também nisso a pandemia impacta, posto que desde declarada, cessamos os planejamentos de incursões evitando aproximações que pudessem resultar em contágio. Resta-nos, neste contexto, a proteção territorial para restringir acessos e contatos perigosos.


A sua nomeação para a CGIIRC foi alvo de inúmeras contestações, inclusive judiciais. Ao que o senhor atribui esses questionamentos?


A Funai tem esclarecido que minha nomeação se deve a minha capacitação profissional e acadêmica. Após a formação teológica, a experiência no campo me rendeu bom conhecimento da língua e da cultura de um povo indígena do Vale do Javari. Em seguida, obtive bacharelado em Antropologia, especialização em Antropologia Intercultural, mestrado em Ciências Sociais e doutorado em Ciências Humanas e Sociais, sempre abordando a temática indígena. Não resta dúvida que acadêmica e etnologicamente estou capacitado para a função e que a contestação, nunca ocorrida com coordenadores da CGIIRC que me antecederam, se deve, evidentemente, ao histórico de missionário evangélico, e, consequentemente, à minha confessionalidade, o que fere a Constituição brasileira (Art. 5º) e tratados como a Declaração Universal dos Direitos Humanos (Artigo XVIII) no tocante à liberdade de crença em um Estado laico.