Especialistas dizem como os pastores devem lidar com a violência doméstica

Três em cada dez mulheres brasileiras sofrem violência doméstica em algum momento da vida. 

O país apresenta altos índices de violência contra as mulheres, ocupando o quinto lugar no mundo.

No ano passado, uma linha direta nacional recebeu ligações de uma média de 245 mulheres por dia denunciando algum tipo de violência.

Tudo isso em um país onde as mulheres representam mais da metade (58%) dos evangélicos.

Alegações recentes de abuso nas igrejas norte-americanas geraram discussões na igreja brasileira em torno da questão, mas as igrejas e denominações têm procedimentos padrão ou adotaram melhores práticas para lidar com a violência doméstica.

No entanto, num ambiente onde muitos sobreviventes não denunciam a violência por vergonha e medo de retaliação, as igrejas evangélicas têm a oportunidade de ser locais de abrigo e orientação para mulheres feridas.

Dadas estas realidades, a Christian Today convidou seis líderes evangélicos especialistas no assunto para responderem à seguinte pergunta: 

“O que os líderes da igreja devem fazer quando uma congregante feminina diz que foi vítima de abuso ou violência?”

As respostas foram editadas para maior clareza e estilo.

Marília César, jornalista e autora do livro O Grito de Eva , São Paulo



A liderança da igreja deve encorajar a pessoa a denunciar e, se possível, acompanhá-la à esquadra da polícia para fazer a denúncia.

Os líderes da igreja devem então providenciar que pessoas, de preferência mulheres na igreja com experiência neste tipo de violência, caminhem ao lado da vítima, dando-lhe apoio emocional e, se necessário, encaminhando-a para os profissionais de saúde ou de saúde mental apropriados.

O perpetrador, se for membro da comunidade eclesial, deve ser responsabilizado.

Existem igrejas com trabalhos terapêuticos que reúnem homens para uma espécie de terapia de grupo para lidar com comportamentos abusivos e relacionamentos tóxicos, mas infelizmente essas iniciativas ainda são pouco comuns.

As igrejas precisam de abordar esta questão de forma mais aberta e mais frequente até que se torne inaceitável que pastores e membros tenham de conviver com situações de abuso sexual nas suas congregações.


Alex Stahlhoefer, doutor em teologia e professor da Faculdade Luterana de Teologia, São Bento do Sul


A primeira resposta deve ser sempre acolher a mulher que sofre. Jesus nos instrui a chorar com aqueles que choram e a ser consoladores e consoladores.

Não devemos começar por perguntar-lhes sobre os detalhes da violência, mas devemos primeiro oferecer apoio emocional para que possam expressar a sua dor, angústia e medos.

Depois disso, é importante tratar da rede de apoio. Quem lhe oferecerá abrigo e segurança? Ela pode voltar para casa? Quem acompanhará a vítima até a delegacia para prestar queixa?

É preciso ter cuidado com o sigilo das informações, pois a vítima já está fragilizada e podemos poupá-la de julgamentos desnecessários de pessoas que não precisam saber o que aconteceu.

Se o agressor for um membro da congregação ou um líder, a igreja também deve tomar cuidado para não usar uma posição de liderança para coagir as pessoas a testemunhar em seu nome ou espalhar rumores sobre a imagem da vítima, a fim de diminuir a sua responsabilidade.

Uma igreja séria deve ter uma declaração escrita, aprovada pela liderança e divulgada a todos os membros, sobre como a igreja procede em casos de abuso e violência.

Criar uma cultura onde a violência não seja tolerada e onde as denúncias sejam levadas a sério ajuda a criar um ambiente saudável e seguro para as mulheres.

Jennifer Carvalho, coordenadora da Missão Imago Dei e do Grupo de Estudos Cosmovisão e Sexualidade, Natal



Primeiro, os líderes da igreja precisam de ter cuidado para não voltar a vitimizar a vítima, fazendo perguntas inadequadas, perguntando demasiados detalhes ou sugerindo que contribuíram para o abuso.

Também é importante identificar se o agressor é alguém próximo da vítima, para mantê-la protegida dele – se possível, a mulher deve ser acolhida por alguém em quem ela confie.

Em caso de estupro, em até 72 horas após o crime, a vítima deverá ser encaminhada a um hospital para avaliação médica. Por lei, as vítimas menores de 18 anos devem ser levadas ao hospital.

Depois disso, as vítimas deverão ser orientadas sobre a necessidade de denunciar o caso à esquadra e também receber aconselhamento psicológico e pastoral.

Se o agressor fizer parte da congregação, os líderes da igreja devem iniciar o processo disciplinar e de remoção e orientá-lo a entregar-se à polícia e a iniciar tratamento psicológico.

Só depois de alguns anos, com apoio psicológico e liderança treinada, é que se pode avaliar se houve arrependimento genuíno.

Sua reintrodução na igreja, porém, provavelmente não será possível, e a liderança precisará, com discernimento e estudo, criar outra alternativa.

Se a pessoa que cometeu o abuso for um líder da igreja, a orientação anterior aplica-se simultaneamente com um realinhamento da igreja em relação ao que aconteceu.

Além disso, é necessária uma formação extensiva sobre o abuso e as suas consequências, a publicação de um pedido de desculpas sincero, o cuidado da vítima e uma investigação para descobrir se houve outros casos – para que outras possíveis vítimas possam ser atendidas.

As pessoas serão encorajadas a denunciar se a igreja é acolhedora e consciente da existência de abusos e se este pecado é combatido desde o púlpito até ao escritório.


Yago Martins, pastor da Igreja Batista Maanaim, autor, e YouTuber , Fortaleza


Infelizmente, muitos colegas pastores acreditam que só podem agir depois de investigarem a história muito minuciosamente, entrevistarem o marido e verificarem todos os relatos em busca de quaisquer contradições, para descobrir se a queixa da mulher é verdadeira ou não. 

Neste processo também é importante denunciar o assunto às autoridades civis, depondo os líderes (se o agressor for alguém nesta posição), [decretando] a disciplina eclesiástica e cuidando da vítima.

Mesmo que o testemunho da esposa por si só não prove que o abuso realmente aconteceu, o mero testemunho deveria ser suficiente para os líderes da igreja protegerem a esposa do marido. 

Proteção primeiro, investigação depois. Lidei pessoalmente com denúncias falsas de abuso no meu ministério pastoral, mas não me arrependo nem por um minuto de ter acolhido e protegido alguém que trouxe uma denúncia que com o tempo se revelou falsa. 

É melhor oferecer uma proteção que depois se revela desnecessária do que correr o risco de rejeitar uma denúncia tão grave e deixar alguém à mercê de um agressor.

Douglas Baptista, pastor das Assembleias de Deus e presidente do Conselho de Educação e Cultura da Convenção Geral das Assembleias de Deus no Brasil (CGADB)


No ato da criação, a imagem divina é distribuída sem distinção entre homens e mulheres (Gn 1:27). A Bíblia ensina a igual importância de ambos (1Co 11:11–12). 

O modelo de casamento cristão exige que o marido lidere o seu lar da mesma forma que Cristo lidera a igreja – isto é, com um interesse vital no bem-estar da sua esposa (Efésios 5:28-29). 

O marido deve amar a sua esposa como Cristo ama a igreja. Isto implica praticar algum tipo de sacrifício (Ef 5:25). A esposa deve ser tratada com amor e não com violência, ameaças ou autoritarismo. 

O marido deve cuidar de sua esposa da mesma forma que cuida de si mesmo (Efésios 5:28). Isso significa proteger sua esposa e proporcionar-lhe uma vida digna. 

Esse cuidado não se limita às provisões materiais, mas inclui carinho, consideração e honra, entre outros. Estas ações devem ser sinceras e permanentes, tanto em público como em privado (Cl 3:19).

Segundo o modelo bíblico, nenhuma mulher deveria ser submetida a um relacionamento tóxico. Esse tipo de abuso acontece de diferentes maneiras: verbal, física, emocional.

 Por esse motivo, a esposa deve ficar atenta à agressividade do marido e se ele se torna mais agressivo quando é contrariado. 

Quando isso acontece, o primeiro passo é procurar ajuda imediatamente e denunciar quaisquer sinais de violência aos seus líderes e às autoridades civis.

Se o agressor for membro ou líder da igreja, o caso deve ser tratado com firmeza para impedir o comportamento abusivo. 

De referir ainda que por vezes as mulheres negam ou não veem a situação de abuso, ou tentam justificar as ações violentas dos seus maridos. 

Portanto, é fundamental oferecer um sistema de apoio, deixando a mulher confortável para se aproximar e receber ajuda.

Norma Braga, teóloga e consultora de imagem, São Paulo


Os cristãos devem compreender que os abusadores são mestres na arte do engano e que os abusadores podem ser maridos, pais, pastores ou líderes de jovens. 

Os líderes saudáveis ​​agirão como protectores das mulheres e das crianças, que são geralmente as vítimas com maior probabilidade.

A melhor prevenção contra o abuso é promover uma cultura centrada em Cristo na igreja. Não basta que nossa teologia seja precisa. 

Em muitos casos de abuso sexual, mesmo de abuso infantil, o perpetrador não é denunciado à polícia porque “irmão não vai a tribunal contra irmão” – mas este argumento é uma distorção da Palavra. 

No caso de um crime, a igreja precisa recuar para que o Estado possa lidar com o caso; é esfera do estado, não da igreja.

O abuso entre nós, cristãos, é ainda pior, pois geralmente é justificado com leituras odiosas da Bíblia, que deixam cicatrizes profundas na alma.

 Precisamos voltar às nossas origens, à liderança verdadeiramente humilde do Senhor Jesus, que não usou as ovelhas para seu próprio ganho, mas se sacrificou por elas.